A Saga das Lavadeiras

 

Lavanderas gallegas, 1887. Francisco Pradilla y Ortiz (1848-1921). Óleo sobre lienzo, 37 x 59 cm.  Museo Carmen Thyssen, Málaga, España. Imagem encontrada no site https://www.lavaderospublicos.net/2015/02/lavanderas-franciso-pradilla-y-ortiz.html


Em um recanto perdido entre colinas verdejantes, um vilarejo onde as águas límpidas banhavam o cotidiano das humildes e laboriosas lavadeiras. Naquela pacata comunidade, elas reinavam soberanas, senhoras das roupas imaculadamente brancas e das histórias que se entrelaçavam nas margens do rio.

Ao romper da aurora, antes mesmo do sol enfeitar o horizonte com suas cores cálidas, as lavadeiras já se levantavam com a determinação enraizada em suas almas. Com suas trouxas de roupas sujas, tecidos amassados e manchas reveladoras de vidas intensas, caminhavam rumo ao rio, onde o trabalho árduo lhes aguardava.

Os primeiros raios solares banhavam as margens, conferindo um brilho dourado às águas límpidas. Ali, entre o aroma da natureza, as lavadeiras se reuniam, compartilhando segredos sussurrados entre as lavagens. Eram mulheres fortes, entrelaçadas pelos laços invisíveis da vida e do ofício.

Com mãos calejadas e dedos ágeis, elas encharcavam os tecidos nas águas revitalizantes, deixando que a correnteza levasse consigo a sujeira do dia anterior. Ali, nasce uma dança coreografada pelos gestos precisos das mãos que sabiam o caminho para o rejuvenescimento das vestimentas.

Enquanto as peças se submetiam ao banho regenerador, as lavadeiras compartilhavam suas vidas, entrelaçando a sabedoria popular às histórias pessoais que as marcavam. Eram contos de amores perdidos, risos e lágrimas, sonhos acalentados e desafios superados.

Os dias seguiam, e as lavadeiras continuavam a emprestar suas mãos generosas ao rio. Era nas margens, entre a correnteza e o murmúrio das águas, que os pensamentos fluíam e as ideias surgiam. Ali, elas se tornavam poetas improvisadas, declamando versos que ecoavam pela vila.

Em cada pôr do sol, quando o cansaço se mesclava à satisfação do dever cumprido, as lavadeiras retornavam a seus lares, deixando para trás a sinfonia das águas e o aroma do trabalho realizado. E, enquanto os lençóis balançavam ao vento, as lavadeiras repousavam, sonhando com novos amanheceres e recomeços.

Assim, entre roupas alvas e mãos enrugadas, a saga das lavadeiras se perpetuava, tecendo histórias de superação, de amor e de resiliência. Nos versos improvisados, nas canções entoadas, elas encontravam a voz que ecoava além das margens, inspirando todos que ouviam seu chamado. E, assim como o rio seguia seu curso, elas seguiam sua jornada, levando consigo a esperança e o brilho que só as lavadeiras, verdadeiras guardiãs das águas claras, sabiam compartilhar.


Essa crônica ficou em segundo lugar no Concurso Literário 2023 da Biblioteca Comunitária do Cerrado. https://www.facebook.com/bcc2015novoleitor

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